28 de maio de 2011

Não Consigo me acostumar


Não consigo me acostumar. Cada vez que ligo a TV, sinto uma vontade enorme de ler um livro. Coisas que nos saltam aos olhos e mesmo assim, não fazemos nada para mudar. Corrupção, ladroagem, greves, políticos corruptos. Isso tudo misturado, com a falta de consciência crítica das pessoas, da massa pseudo-letrada desse país, que é maravilhoso aos olhos de quem almeja o poder.
Que poder é esse? O controle de uma máquina de fazer dinheiro? O controle de um órgão público? O controle dos meios de comunicação de massa?  Enquanto isso, a miséria se perpetua nesse país imenso, cheio de esfomeados, analfabetos, corruptos, ladrões.
Não consigo me acostumar, com a inveja alheia, não consigo me acostumar com quem fura fila, joga lixo no chão e bota em prática o famoso jeitinho brasileiro. Está na hora de as pessoas darem um basta. O projeto Ficha Limpa já é um bom começo. Mas tenho lá minhas reservas, porque o que não falta são pessoas, criando novos verbos e sujeitos.
Não consigo me acostumar.
Célio Bernardo

Fábrica de Verdades

Verdades, mentiras, violência, morte, raiva. A história que eles contam entram na minha casa como uma verdade imposta. A televisão pensa no que é melhor ouvirmos, não no que seria melhor para nós. Fatos são criados, medos forjados, assim seremos ouvintes passivos, acompanhantes de novelas, que me mostram como poderia ser e não como é retratada minha realidade. Ouvindo sem querer uma conversa entre duas mulheres, uma dizendo para a outra como o salário dela foi reduzido pela diminuição da sua carga horária. O engraçado é que a mesma mulher argumentou que não poderia de maneira alguma, perder o episódio da novela das 21H, porque seria um capítulo decisivo, para o transcorrer feliz de certas personagens da telinha. A televisão funciona como um elemento acalmador. Veja o exemplo das crianças em frente à TV. Comerciais de carros vociferam, que seus veículos possuem a telinha acoplada nos acentos, para essa finalidade. Acalmar os diabinhos que nos tiram do sério. A nossa guerra é apenas uma data nos livros de história. Não a vemos no nosso cotidiano, mas ela está ali, forte, metamorfoseando ante o primeiro obstáculo ao lucro. Nossa educação é feita pelas novelas, a cultura do outro é aviltada, seqüestrada, modificada aos interesses e reenviada aos lares, como critério de verdade forjada, absoluta. O brasileiro vê o jornal televisivo diário como uma ficção e repassa às novelas o papel educador. Isso é inconcebível, pois a discussão dos problemas reais não podem ser discutidos pela personagem pseudo-burguesa do núcleo rico da novela. A concepção e visão do político no Brasil é outro problema, pois não escolhemos nossos canditados pela sua vida política ascética e sim se tal canditado é fiel à sua esposa, como se a vida do outro fosse uma continuação da minha moralidade enquanto indivíduo. Se uma pessoa diferencia o que é realidade vivida e o que é ficção, numa novela, por exemplo, esse indivíduo não é alienado. Ele possui discernimento, mas a sua concepção é alterada, pois o real se confunde com o fictício. A televisão me expressa como eu gostaria de ser, ao me comparar com a personagem que batalha, luta, sofre, acorda cedo, mas sabedor que no final, no término, um final feliz aporta no último capítulo, como salvação da minha pseudo-felicidade. A mídia toma vários elementos dispersos e constrói como um todo coerente, mas de forma arbitrária, ficcional. E isso não pode ser o meu princípio de realidade. Aquilo que não está na televisão não faz parte do meu mundo. Quem edita a realidade, muda meus pensamentos por imagens, substituindo o que sei por algo pronto, formado, equilibrado e organizado, para o meu entretenimento e construção do meu saber. O que cogito é exatamente a construção da minha realidade de mundo, pois o que seria forma de entretenimento se transforma numa fonte de sabedoria às avessas, pois ela foi forjada nos moldes do que minha percepção de mundo idealiza como correto e verdadeiro. Um exemplo da inversão da realidade são as marchas de movimentos sociais, onde a mídia avilta a ideologia a ser passada e mostra os problemas causados no trânsito, fazendo com que o assalariado chegue atrasado à senzala moderna. O que é criado, a imagem que é formada, é ilusória e editada.Vivemos um Bovarismo¹ à brasileira, não enfrentamos nossa realidade e preferimos o imaginário, o fictício criado pela televisão expresso nas novelas. A minha realidade é essa, triste, porém real. Como é bom saber ler.

Célio Bernardo – @celiobernardo

¹Referência à Madame Bovari do romance de Gustave Flaubert. Ao invés de viver a realidade ela se refugia no imaginário da corte, não enfrentando seus verdadeiros problemas.